1 de dez. de 2016

Exu não é Diabo - A Demonização Histórica de Exu

Seria Exu o demônio? Esta é a questão que permeia o imaginário popular, sobretudo no Brasil, dentro ou fora dos círculos das religiões Afro-brasileiras, na Umbanda, no Espiritismo e principalmente no Catolicismo e no Neopentecostalismo, enfim, qualquer pessoa que escute a palavra de Exú tem seu pensamento voltado a imagem do ser horrendo oriundo das "profundezas", com chifres, pés de bode, tridente e capa.

Exu não é Diabo



Para entendermos como se desenrolou esta relação, temos que voltar um pouco aos conteúdos de História, na época da Expansão Marítima Européia liderada pelos portugueses a partir do século XV. Entre as principais razões para o empreendimento desta expansão, podemos ressaltar, a conquista de novas terras pela simples presunção de suas existências, pois não eram fato concreto e conhecido até então, razões comerciais e políticas, além é claro da expansão da fé católica. 

Durante os dois ou três séculos que sucederam o início do processo, intensas movimentações através do Atlântico permitiram aos europeus dominarem territórios e estabelecerem entrepostos mercantis ou feitorias sobretudo na África, além de também estabelecerem colônias tanto na África quanto nas Américas, enfim, a Europa invadiu outros continentes, as custas de muita força e desprezo aos povos que encontravam. Em consequência disto, a distorção e a alienação cultural fruto do etnocentrismo dos europeus deturpou toda uma série de significados relacionados às divindades e cultos dos povos dominados.

Incursões de viajantes e missionários, encomendadas ou não pela Igreja Católica, que a época ditava os dogmas e condutas de relacionamento com a fé e o sagrado, que refletiam nas tendências do comportamento humano em sociedade, ou seja, a instituição Igreja determinava com muita propriedade e sem nenhuma contestação o que era certo, quem eram os santos e mártires, tudo isso com muita influência, poder político e aceitação por parte dos Estados Monárquicos. Então, com as mentes e tendências interpretativas completamente "contaminadas" pela ostensiva cultura Cristã, tais missionários, enviavam a Europa seus escritos relatando aquilo que encontravam em terras africanas, no território Iorubá. Logo, não faltaram adjetivações aos Orixás e principalmente a Exú. 

O citado artigo de Reginaldo Prandi faz menção dos escritos de Verger à respeito dos viajantes cristãos, não é a única fonte que os citam, mas utilizando esta referência, separamos alguns com o intuito de ilustrar para os nossos amigos leitores o que pensavam esses senhores: 

[Em 1789 por Pommergorge] - Atribuiu a imagem Exú ao deus Príapo( da mitologia Grega, senhor da fertilidade). fazendo referências ao "falo" de Exú ser muito exagerado em relação ao resto do corpo.
[Em 1857 por Thomas Bowen] - "na língua Iorubá o diabo é denominado Exu, aquele que foi enviado outra vez, nome que vem de su, jogar fora, e Elegbara, o poderoso, nome devido ao seu grande poder sobre as pessoas".


[Em 1885 por Abade Pierre Bouche]- "Os negros reconhecem em Satã o poder da possessão, pois o denominam comumente Elegbara, isto é, aquele que se apodera de nós".

[Em 1884 pelo Padre católico, R. P. Baudin, da Sociedade das Missões Africanas de Lyon e missionário na Costa dos Escravos] - Em um livro que aborda de forma sistemática a religião dos Iorubás... "O chefe de todos os gênios maléficos, o pior deles e o mais temido, é Exú, palavra que significa o rejeitado; também chamado de Elegbá ou Elegbara, o forte, ou ainda Ogongo Ogó, o gênio do bastão nodoso"...

Neste sentido, a questão que inicia nosso desenvolvimento acerca do processo histórico que demonizou Exú, para nós, pode ser facilmente respondida:

A ligação do Orixá ao Diabo é fruto pura e simplesmente de uma interpretação intencional e mentirosa, que não teve o menor apreço por seus significados e aplicações em um sistema social completamente diverso ao que os europeus entendiam e tinham como ideal, ou seja, não restam dúvidas que Exú é vitima de todo este processo, pois, desmoralizar a fé dos africanos e impor-lhes a fé cristã era uma forma também de "domesticá-los" para obterem em outro empreendimento conhecido como escravidão mais facilidades, além é claro, da presunção etnocêntrica enraizada a muito na Europa. E ainda no artigo de Prandi, encontramos a menção de Roger Bastide, que denomina Exú como "divindade caluniada".


Como Exu foi tratado em solo brasileiro?


A velha história da colonização do Brasil é mais que conhecida pelas pessoas, com mais detalhamento ou não, porém bem disseminada, para isso lembrarmos que os africanos escravizados resistiam como podiam e nas mais variadas formas, nos chegará ao entendimento que a preservação dos cultos aos Orixás, dentro daquilo que se era possível, foi uma dessas atividades de resistência cultural. 

Para isso, explicar a questão do sincretismo é fundamentalmente o ponto de partida. Ainda no artigo de Prandi, encontramos importantes observações por aspectos geralmente pouco analisados, e deste modo, acrescenta-nos outros caminhos para avaliar o processo, conforme o trecho a seguir nos sugere:

"...O sincretismo não é, como se pensa, uma simples tábua de correspondência entre orixás e santos católicos, assim como não representava o simples disfarce católico que os negros davam ao Orixás para poder cultuá-los livres da intransigência do senhor branco, como de modo simplista se ensina nas escolas até hoje..."

Para o autor, esta ligação foi formulada pela existência do julgamento entre bem e mal, regulada pelo pudor do "pecado", que não existiam ou apareciam com outros pesos e medidas nas sociedades africanas que cultuavam os Orixás. Então, temos que entender que a cristianização dos Orixás resultou em perdas significativas de suas características intrínsecas, ressignificando suas essências e modificando a aplicação prática de seus rituais. 


Para Exú, marcado pelo selo do "Diabo", coube cumprir seu papel como o personagem estigmatizado na formação da cultura afro-brasileira, no excelente documentário A Boca do Mundo - Exú no Candomblé. Ali encontramos depoimentos de babalorixás que afirmam e confirmam a "tal" forma do Orixá, como "meio" de defesa que os negros escravizados encontravam nesta situação certas maneiras de se protegerem. 

Em meados e fim do século XIX e no início do século XX, os primeiros grupamentos de religiões afro-brasileiras tomavam formas mais organizadas, com diversas denominações, em todo território do país e, em cada uma delas, Exú, tomava seu espaço recebendo suas homenagens e cultos.

Nos centros mais urbanizados do Sudeste, sobretudo no Rio de janeiro, as Macumbas cariocas, mais tarde a Quimbanda e a Umbanda também trabalharam cada qual a sua maneira os aspectos ligados à Exú, porém, suas características e formas já estavam tachadas e faziam dele o "marginal" da espiritualidade. 

Tudo isso, produziu efeitos nos adeptos e na sociedade em geral, a iconografia e produções literárias das décadas seguintes ao surgimento da Umbanda, ainda debatiam a moralidade e a validade de se trabalhar com Exú (já no sentido dos trabalhos mediúnicos), muitos ainda alegavam seu caráter maligno e creditavam à Quimbanda ser o terreno adequado para se trabalhar com os Exús, pelo consenso que praticavam "magia negra" conforme cita o capítulo 48 do livro "História da Umbanda no Brasil", vol. 1, de Diamantino Fernandes Trindade, neste capítulo toda a questão é abordada desde suas raízes históricas até os desdobramentos após o surgimento da Umbanda. 

Bem, nossas conclusões a respeito da demonização, tanto do Orixá como das entidades relacionadas à Exú, claramente obedecem a situações iniciadas séculos atrás e perpetuadas pelos seus opositores, simpatizantes e seguidores.

Acreditamos, para quem se interessar, que existem aos montes material para estudo e análise dos contrapontos sobre a questão, pois, somente desta maneira, informando-nos, estudando e praticando as proposições trazidas pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, conseguiremos cada vez mais, dentro da perspectiva umbandista, elevar mais e mais a importância da atuação de Exú dentro de nossos agrupamentos e como reflexo em nossa sociedade.
Fonte. http://www.nomundodasumbandas.com.br/


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